31 de ago. de 2007

Entrevista com Sebastião Firmiano

Continuando o nosso garimpo por entrevistas com bons autores, no mundo da internet, encontramos um que não podia estar de fora dessa lista, que já tem JJLeandro, José Dagostim, e Rangel Castilho. A nova aquisição se chama Sebastião Firmiano. Paulista, poeta autodidata, eletricista de formação e boêmio por necessidade. Essa é a forma que ele se descreve no seu perfil, no site Overmundo.
Não é por acaso que chegamos muitas vezes a lembrar da biografia de Cartola nessa entrevista. São dois negros que usaram do lirismo como refúgio para sobreviver numa sociedade desigual e racista. Porém, as coincidências param por aí. Na obra de Sebastião Firmiano as rosas desistem de ser estátuas mudas e gritam as suas dores e elevam a auto-estima da raça negra. Agora é hora de, não só ser negro, mas estabelecer um merecimento para tal prestígio.

Veneza de Brasileiros: O que você acha do Firmiano poeta, você faz alguma espécie de autocrítica? Você é muito exigente consigo mesmo?

Sebastião Firmiano: Firmiano é um poeta medíocre, um pouco por incompetência sua ( dele), outro tanto pela mediocridade em que vive afundado este país. Sou poeta? Se sim, Sou, como grande parte dos brasileiros, poeta analfabeto. Num País onde gente passa fome, poesia é luxo, mas luxo necessário.Não sou muito exigente comigo não, a vida já foi muito brava comigo, só tento não dizer a mesma coisa sempre.


Veneza de Brasileiros: E as suas raízes, de onde vem a sua veia poética? Quem são seus autores preferidos?

Sebastião Firmiano: Aos 08 anos eu li Gonçalves Dias, Castro Alves, Olavo Bilac,
Falei, pronto, é isto que eu quero ser( pensei que poeta ficava rico)
Depois descobri que poeta passa fome, mas já estava contaminado.


Uma Noite

Ele trazia nos cabelos o cheiro do cigarro
Trazia na boca o bafo da cachaça
Trazia o pau duro e a risada depravada
De quem come qualquer coisa
Até mesmo carne estragada.

E eu era ela
Sua caça de agora capturada na madrugada
Nas sombras da noite.
Bêbada , de batons borrados
De vestido barato comprado na loja do turco

Mas, para que vestido bom?
Se é para tirar a qualquer hora.
Para que caprichos no baton?
Se só sirvo para que ele
Venha jogar a porra fora
Dar-me algum trocado
E em seguida ir embora.

Sebastião Firmiano


Veneza de Brasileiros: E o lado boêmio de todo poeta, você gosta da boemia?

Sebastião Firmiano: Gosto da boemia e da solidão, da boemia já gostei mais.
Atualmente, por problemas de saúde, saio pouco, ainda bebo bastante.
Tenho uma amizade excessiva com o álcool, embora ele me maltrate bastante.

VB: O que você sente diante de fatos como a violência urbana, a corrupção política e o caos aéreo? Isso tudo está relacionado?

Sebastião Firmiano: Numa sociedade Capitalista o objetivo é sempre o lucro, para tanto todo o sistema educa o povo para o consumo. Ora! Como o povo vai consumir, se ele vive de subemprego, sem educação, e preparo fundamental para realizações, quando a ordem material das coisas é o sucesso fácil da lei de Gerson? A nossa colonização já foi violenta e sem nem um respeito pelas diferenças.
Fico indignado porque quem mais sofre com a violência são os pobres.


Desarranjos

A cortina rasgada
De vermelho paixão
Para quem do lado de fora
Olha
Namora a alcova desarrumada
De um ( ou dois ) corações
Em ações selvagens sobre os lençóis
Manhã com cheiro de sêmen e suor
Invadida pelo sol

Corpos rasgados se remendam
Para um dia longo de preguiça e sono
Ao anoitecer virá um novo encontro
E lençóis já rearrumados.
Sofrerão novos desarranjos.

Sebastião Firmiano



VB: Se pudesse escrever um livro sobre sua vida, qual seria o título?

Sebastião Firmiano: O livro da minha vida se chama” Zé do Óleo “ e esta em elaboração.

VB: E a quem você dedicaria?

Sebastião Firmiano: A toda raça negra brasileira.


VB: A sociedade brasileira trata bem o poeta?

Sebastião Firmiano: A sociedade brasileira não trata bem seus poetas, não trata bem seus idosos, não trata bem suas crianças. A sociedade brasileira é totalmente destratada por uma elite vesga que só olha seus apaniguados , formando assim um cartel do poder e do capital.

No Muro

A dor escrita no muro ta segura
Segura o muro pra não fugir

O amor escrito no muro ta seguro
Seguro na tinta pra existir
Até que o dono do muro venha
Com nova pintura encobrir
Rimas tão pobres desnecessárias

A dor escrita no muro vai sumir
O amor escrito no muro esta em apuro
Mas vai existir.

Sebastião Firmiano



VB: Seu trato poético passa muito pela crítica e pelo retrato da sociedade brasileira, como você vê o nosso país , o nosso povo, e o Brasil em relação ao mundo?

Sebastião Firmiano: Acho que é função de todo artista( ou pretendente) retratar a sociedade e o mundo em que vive, além de contribuir para formar novos valores. Por ter uma sensibilidade aguçada, normalmente o artista sai na frente nas lutas por justiça e mudanças.


VB: Como foi sua infância? Sua família admira o Firmiano poeta?

Sebastião Firmiano: Nasci de uma família (parte descendente de índios, parte de negros). Analfabeto de pai, mãe, e avós. Infância em casebre de pau-a-pique, onde adquiri doença de Chagas. Mas a vida era livre e gostosa só não consegui estudar porque era roça, sem escola e meu pai pobre e doente não conseguia me manter na cidade estudando. Mesmo porque devido as suas doenças e eu ser o primogênito de cinco irmãos me tornei arrimo de família muito cedo. Mas meu pai era ouvido absoluto e tentou me ensinar música, só não aprendi porque sou muito burro.Alguns poemas ainda muito mal feitos naquela época eu li para ele e o veio gostou. Minha mãe sempre gostou.
Hoje de cinco filhas que tenho, três gostam, duas não lêem. Tenho um irmão que é meio poeta, mas ele não sabe disso.
Um tio que eu tinha certa vês disse-me: - Vai arranjar um emprego, caçar o que fazer, que esse negócio de literatura é coisa de vagabundo, viado, maconheiro.


Blefe

Uma dor fora de mim
Segue meu coração sem rumo
Para lugar nenhum

Ando pelo mundo
Me despedindo de coisas sem valia
Com acenos incompreensíveis.

Ergo a bandeira de um país que não existe
Quem desenhou o mapa mundi
Não desenhou lugar para mim.

Não que eu pense muito em mim
Ou que ache que mereça ser pensado
Mas mereço um lugar

Um lugar para morrer.
Onde os vermes que venham
Se alimentar de minha carne podre
Não contamine o resto do mundo.

Não contamine com minha tristeza
Não contamine com a minha alegria
Caso eu venha ser alegre um dia.

Alegria e tristeza, ambas são inúteis
E o mundo já esta cheio de coisas inúteis.
Até minha dor é inútil, porque não cedo a ela
E se eu sorrir não se preocupe, estarei blefando.

Sebastião Firmiano


VB: Como você definiria sua poesia? Seria uma poesia social? Você é um sonhador?

Sebastião Firmiano: Sou sonhador sim, para mim o sonho é imprescindível. Minha poesia é um grito de desespero contra as agressões que a vida, o mundo e a sociedade me fazem.
Rosa Cinza

Tinha um olhar tímido cor de rosa e cinza.
Vários olhares através da cortina.
Espiava o sol de outras janelas
Um meião negro furado com dois olhos.
Uma idéia furada nos miolos

Rodava um pião na palma da mão
Era um vídeo game/ era um três oitão
Procurando saída pra vida, à bala.
Festim dessas crianças sem idade
Para brincar no play ground.

Um dia uma bala inimiga
Como lhe era inimiga a vida
Veio a lhe fazer mal ao fígado
Foi socorrido ali próximo

Num barracão onde moravam
Terezinha e João desligaram a televisão.
Acenderam uma vela, e esperaram.
Diante, daquele olhar cor de rosa e cinza.
Que por fim, se fechou.

Sebastião Firmiano



Vejam o Blog Grog de Sebastião Firmiano!!!

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2 comentários:

Anônimo disse...

Sebastião!

Que saudade... Faz tempo que não vejo poesias dele no Overmundo.

Bom vir aqui e ficar sabendo mais sobre esse belo poeta!

Criss

Rangel Castilho disse...

Sebastião, é uma grande alma. É bom tê-lo de volta, ao Overmundo e aqui no Veneza.
Só o Osvaldo mesmo pra fazer isso com a gente!!!
Bom também, se não estou enganado, de encontrar Criss, uma amiga que andava sumida...será a mesma?
Bom,
é isso ai!
abraços pantaneiros...
Valeu, Osvaldo!!!